Retornar para a Mãe-África?

Escravidão, trauma e fantasias de origem em "Namíbia, não!", de Aldri Anunciação

  • Matheus Da Silva Medeiros UNICAMP
Palavras-chave: Análise do Discurso, Afropessimismo, Trauma, Escravidão

Resumo

Este trabalho, apoiado no referencial teórico-metodológico da Análise do Discurso em diálogo com a corrente teórica do afropessimismo, lança um olhar sobre aquilo que restou do tráfico transatlântico de africanos. Para tanto, realizamos uma leitura discursiva do texto da peça teatral “Namíbia, não”, de Aldri Anunciação. Em nosso trajeto de pesquisa, compreendemos que a história da formação social brasileira, como a história de qualquer formação social (SCHERER et al., 2022), é uma história de horrores perpetrados, constituindo subjetividades lesionadas por feridas traumáticas. Nesse sentido, analisamos como os efeitos materiais do horror brasileiro podem fazer-se presentes em materialidades artísticas, como forma de elaboração de eventos traumáticos e deslocamento de sentidos dominantes provenientes do colonialismo e da ordem capitalista. Na escuta ao funcionamento dos sentidos em nosso objeto de análise, abordamos as fantasias de origem construídas em torno do continente africano, significado ora como terra-mãe, ora como terra estranha. Por fim, colocamos uma questão fundamental para as lutas de sujeitos minorizados: há reparação ou autorrecuperação possível? Se a ferida é irreparável, devemos escutar o horror em seus restos, rastros e detritos, em um trabalho com os estilhaçamentos da subjetividade a partir da quebra (MOMBAÇA, 2021).

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Publicado
2024-02-29